O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul determinou que o Município de Bandeirantes apresente, em até 30 dias, um plano detalhado para regularizar e manter o abastecimento de medicamentos essenciais da Relação Municipal de Medicamentos (REMUME). A decisão, da 5ª Câmara Cível, foi proferida em 6 de novembro de 2025 no julgamento de Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público Estadual, que comprovou a existência de “deficiência grave” no fornecimento de fármacos básicos à população.

O caso chegou ao Judiciário após a instauração de Inquérito Civil pelo MPE para apurar a reiterada falta de medicamentos nas unidades de saúde do município. As investigações foram motivadas por denúncias da Câmara Municipal e incluíram vistorias e análise de relatórios de estoque, que confirmaram a ausência de diversos itens de uso contínuo, entre eles Sinvastatina, Dipirona, Paracetamol, Ibuprofeno, Espironolactona, Enalapril e Furosemida. O Ministério Público destacou ainda que o município já havia firmado um Termo de Ajustamento de Conduta em 2017 para aprimorar o controle de aquisição e distribuição de insumos, compromisso que não teria sido cumprido.

Ao analisar o recurso, o relator, Desembargador Alexandre Raslan, fundamentou o voto no entendimento de que a saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme previsto na Constituição Federal, e que cabe ao Sistema Único de Saúde assegurar a assistência terapêutica integral, incluindo a oferta de medicamentos. O magistrado também citou o Tema 698 do Supremo Tribunal Federal, que autoriza a atuação do Judiciário quando há omissão ou falha grave na prestação de serviços públicos essenciais, sem que isso configure violação à separação dos poderes. Seguindo essa orientação, a decisão não tratou de impor a entrega imediata dos medicamentos faltantes, mas de determinar a apresentação de um plano de ação capaz de solucionar de forma estrutural o problema.

O relator afastou ainda a alegação municipal baseada na Teoria da Reserva do Possível, ao entender que a insuficiência orçamentária não se aplica quando há desídia no cumprimento de políticas públicas previamente instituídas.

“Tratando-se, portanto, de pretensão voltada a garantir o mínimo existencial e a proteção de bem da vida tão caro aos indivíduos, não há como deixar de acolhê-la por motivos de ordem financeira, quando tal alegação não estiver devidamente fundamentada e embasada em justo motivo”, frisou o magistrado.

O acórdão, aprovado por unanimidade, determinou que o Município de Bandeirantes apresente nos autos principais um plano contendo cronograma de aquisição, distribuição e controle de estoque da REMUME, com identificação do responsável técnico pela assistência farmacêutica. Também ficou estabelecida a obrigação de comprovar trimestralmente a manutenção do abastecimento por meio de relatórios atualizados. Em ambas as determinações há previsão de multa diária em caso de descumprimento.

A decisão reforma a liminar de primeira instância, que havia sido mantida sob o argumento de que eventuais necessidades poderiam ser supridas por demandas individuais de pacientes. Para o Tribunal, porém, a situação configura falha sistêmica e coletiva, com risco à saúde da população, justificando a intervenção judicial para assegurar o direito fundamental ao acesso a medicamentos essenciais.

TJMS