Dois casos recentes de pedofilia em Campo Grande chocaram a sociedade sul-mato-grossense e reacenderam o debate sobre a proteção de crianças e adolescentes. A morte brutal de uma menina de apenas 6 anos e a prisão de um jornalista acusado de abusar sexualmente de um menino de 11 anos colocaram o tema no centro das discussões públicas, exigindo respostas do sistema de justiça e da sociedade civil.
Confira a seguir a entrevista completa com a magistrada do TJMS:
A Vara da Infância e Adolescência reconhece a existência do “transtorno pedofílico”, assim descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que define a pedofilia como uma parafilia em que adultos ou adolescentes com 16 anos de idade ou mais apresentam impulsos sexuais intensos e recorrentes em relação a crianças.
Os pedófilos, de modo geral, são imputáveis, ou seja, têm inteira capacidade de entender o caráter ilícito de seus atos e de determinar-se de acordo com esse entendimento, sendo, portanto, responsabilizados legalmente pelos crimes que praticam.
Ser pedófilo não é crime, mas praticar a pedofilia, violando a dignidade sexual de uma criança, é. Isso significa que existem pedófilos que jamais cometerão um crime, enquanto outros serão punidos por suas condutas ilícitas.
Nem todo abusador sexual é pedófilo. Os abusadores são classificados em abusadores pedófilos (preferenciais) e abusadores de oportunidade (situacionais). Os situacionais são pessoas sem transtorno psiquiátrico que, em razão das circunstâncias, têm dificuldades de controlar impulsos que, de outra forma, permaneceriam adormecidos.
Três áreas da Justiça costumam lidar com pedófilos. Nas varas da infância protetiva, deparamo-nos com pedófilos que são membros da família e colocam crianças e adolescentes em situação de risco nesse convívio. Para essa hipótese, o Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza o afastamento do pedófilo do lar, mas, se os familiares não assumirem uma conduta protetiva e permitirem o retorno do pedófilo à convivência familiar, é a criança que acaba sendo afastada por meio de acolhimento.
Na vara de atos infracionais, também há casos de adolescentes que abusam sexualmente de crianças menores. Por fim, nas varas criminais, encontramos os pedófilos adultos que violam os direitos das crianças. Nessas varas, além da aplicação de medidas socioeducativas ou de pena de reclusão, é possível impor tratamento a essas pessoas.
Se os pedófilos forem apenas punidos, será uma questão de tempo até que reincidam. A abordagem terapêutica é indispensável, pois a psicoterapia e o uso de medicação podem auxiliar no controle dos impulsos pedofílicos.
O grande entrave é que o SUS não disponibiliza tratamento especializado para esse público. No Brasil, há iniciativas isoladas de tratamento de pedófilos, normalmente em hospitais universitários. Os resultados desses tratamentos demonstram redução na reiteração de abusos sexuais e, no momento, são a única ação preventiva de crimes que conheço.
As iniciativas legislativas costumam se concentrar na tipificação de novos crimes, aumento das penas e criação de cadastros de pedófilos para conhecimento da comunidade. Desconheço projetos de lei voltados à criação de uma política pública de atendimento a pedófilos, e isso nos causa grande angústia, pois há pedófilos que desejam tratamento, há famílias dispostas a apoiar esse tratamento, mas não temos para onde encaminhar essas pessoas. Somente aqueles em ótima situação financeira conseguem custear psicoterapia, consultas psiquiátricas e medicação, já que se trata de um tratamento que deve durar a vida toda.



